Dentre tantas informações exitosas, hoje colhemos mais uma decisão, envolvendo indevida e ilegal retenção de valores em contratos de financiamento imobiliário.
Como cediço, é muito comum encontrar em contratos de adesão cláusulas abusivas e que impliquem perda dos valores pagos (totalmente ou em expressivos percentuais), cláusulas estas que contrariam tanto o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a jurisprudência de nossos tribunais superiores.
À esse propósito, com a competência e acuidade que lhe é peculiar, a d. Juíza da 1ª Vara Cível da Comarca de Vespasiano, Dra. Sayonara Marques, nos autos do processo nº 5001520-75.2020.8.13.0290, em que o nosso cliente, Sr. DANIEL CARVALHO contende com RESIDENCIAL PARK EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA.
Reproduziremos aqui os pedidos e a seguir a parte dispositiva da sentença:
“3- Dos pedidos
3.1- Diante de todo o exposto o Autor REQUER à V. Exa que se digne em:
3.1.1- acolher os pedidos contidos nesta peça exordial, a fim de:
3.1.1.1- ante a confissão da Ré como devedora da quantia de R$ R$ 40.124,42 (quarenta e dois mil, cento e vinte e quatro reais, quarenta e dois centavos), conforme Termo de Rescisão encaminhado ao Autor (cópia anexa), se REQUER a este d. Juízo que se digne em julgar antecipada e parcialmente o mérito, reconhecendo a existência de obrigação líquida, formando-se o competente título executivo judicial para que se possa promover a execução, caso a Ré continue a não honrar a sua obrigação, prosseguindo-se a ação em relação aos demais pedidos aqui consignados (restituição integral e em parcela única, com os mesmos encargos cobrados pela Ré para atualização das parcelas do preço ajustado e redução da multa rescisória a patamares aceitáveis, conforme elencado na jurisprudência de referência, constante do subitem 2.3 retro);
3.1.1.2- declarar NULA de pleno direito a Cláusula Décima Terceira e seus parágrafos 1 a 4, condenando a Ré a restituir ao Autor, em parcela única, os valores pagos até a data do evento rescisório, com os mesmos acréscimos cobrados pela mesma para recebimento das parcelas do preço – quais sejam, atualização monetária, multa de 2% e juros capitalizados de 1% ao mês pro rata die –, e, reduzindo a multa rescisória para patamares aceitáveis, ajustando-se os percentuais de retenção à percentuais módicos (via de regra, 10% [dez por cento] ou menos), reconhecido pela jurisprudência como suficiente à reparação dos danos suportados pela pessoa jurídica, tudo a ser apurado em oportuno procedimento de liquidação de sentença;
3.1.1.3- declarar a nulidade da Cláusula Décima Segunda, que transfere ao Autor a obrigatoriedade de arcar com o pagamento do tributo incidente sobre a propriedade ou a posse, por absoluta falta de amparo legal, materializando-se a sua abusividade – o que implica notório enriquecimento sem causa por parte da Ré –, nos termos da legislação de regência, condenando a mesma a restituir ao Autor todo o valor pago a título de IPTU, com os acréscimos de estilo (atualização monetária e juros de 1% ao mês, contados desde a data do pagamento até a data da efetiva compensação/restituição). Alternativamente, caso V. Exa. entenda ser devido o pagamento do referido tributo, que seja decotado de eventual saldo a pagar o valor do IPTU cobrado pelo Município de Vespasiano, referente a fatos geradores ocorridos após o último pagamento da parcela do financiamento, realizada em julho de 2015, compensado-se eventuais valores devidos com o valor atualizado a receber;
3.1.1.4- restituir ao Autor todos os valores pagos a título de encargos condominiais, referentes aos meses de dezembro de 2014 a julho de 2015, conjuntamente com as parcelas pagas e devidos acréscimos de estilo, o que será objeto de levantamento me futura liquidação de sentença. Entretanto, caso entenda não ser passível de restituição as importâncias pagas, o Autor requer a V. Exa. que se digne em determinar que seja decotado das importâncias devidas o valor referente aos encargos condominiais relativos a períodos posteriores, qual seja, após o último pagamento da parcela do financiamento, realizada em julho de 2015, compensando-se eventuais valores devidos com o valor atualizado a receber.
3.2- Requer, ainda, que V. Exa. se digne em deferir a distribuição por dependência, determinando a reunião do presente processo com os autos de nº 5000499-69.2017.8.13.0290, eis que este contempla a cobrança de encargos condominiais relativo a períodos posteriores ao encerramento da relação contratual, conforme Cláusula Décima Terceira, que estabelece a automática resolução do contrato caso o adquirente atrase 3 (três) parcelas consecutivas.
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DANIEL ALVES DE CARVALHO em face do RESIDENCIAL PARK EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA e da GRAN VIVER URBANISMO S/A:
1) declarar a nulidade parcial das cláusulas Décima Segunda e Décima Terceira do contrato de compra e venda firmado entre as partes, nos termos do corpo da sentença.
2) condenar a parte requerida a restituir ao requerente, em uma única parcela, os valores pagos pela compra do imóvel, acrescidos de correção monetária, segundo a Tabela da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, a partir do desembolso de cada parcela, e juros de 1% ao mês a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão, sem prejuízo do direito de retenção de 20% deste valor.
Fica possibilitada a compensação do valor a ser restituído com eventual débito em aberto do requerente.
Concedo ao requerente os benefícios da gratuidade da justiça, sem prejuízo das “sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação aplicável” (art. 2º, da Lei nº 7.115/83).
Condeno as partes no pagamento das custas e despesas processuais, na proporção de 50% para cada parte, bem como em honorários sucumbenciais que fixo em 10% sobre o valor da condenação (restituição), observada a mesma proporção e as ressalvas legais de inexigibilidade e isenção.
Restam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com natureza infringente, importará a multa do art. 1026,§2º, do CPC.
Em caso de recurso de apelação, dê-se ciência à parte contrária para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias úteis (art.1.010,§1º, do CPC).
Após, subam os presentes autos ao Egrégio TJMG, com nossas homenagens e cautelas de estilo.
PRI”
Questões essenciais– retenção arbitrária de valores e critérios de devolução ao consumidor, bem como aplicação do CDC a tais modalidades de contratos – por nós contempladas a título de fundamentação jurídica, consignada no corpo da petição de ingresso, foram devidamente contempladas pelo d. Juízo, especialmente as decisões do Superior Tribunal de Justiça, que em tais situações estabelece que a retenção máxima é de até 20% (vinte por cento), conforme julgado prolatado em sede de recurso especial (REsp) nº 1224921/PR. Veja-se:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS. PROVA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DA PARTE AUTORA. RESCISÃO POR CULPA DO CONSUMIDOR. DECLARAÇÃO. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. RETENÇÃO DE VALORES PARA COBRIR AS DESPESAS ADMINISTRATIVAS E DE VENDA E PUBLICIDADE. LEGALIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. – Nos termos do art. 53 do CDC, é assegurado ao comprador, mesmo inadimplente, o direito ao recebimento do que pagou, sendo permitido apenas um abatimento pelo credor, para cobrir as despesas administrativas e de venda e publicidade. – Rescindido o contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, ao vendedor é assegurado o direito de ser indenizado pelo uso e fruição do bem durante o período da inadimplência, além da multa penal que deverá incidir sobre o valor total das parcelas pagas. – No âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada pelo promissário comprador, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de admitir a retenção de até 20% das prestações pagas, conforme as peculiaridades da lide (REsp 1224921/PR). – (…)”. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.16.048195-8/002, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/11/2021, publicação da súmula em 25/11/2021)
Sob o nosso patrocínio há outras causas envolvendo contratos de financiamentos, cujas exigências são as mais díspares possíveis.
Apesar de termos em vigência o Código de Defesa do Consumidor há mais de 30 (trinta) anos, certo é que fornecedores de produtos e serviços continuam a perpetuar práticas que contrariam seus dispositivos. Felizmente, podemos contar com a atuação eficiente de nossos magistrados, que sempre têm afastado, em suas decisões, esses abusos praticados e que tanto prejuízo acarretam aos consumidores.