Cobrança de Diferença de ITBI em Belo Horizonte

Cobrança de Diferença de ITBI em Belo Horizonte

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
  • Artigo
  • 0 Comentários

O art. 9º da Lei Municipal nº 10.692, de 30.12.2013 deu nova redação ao art. 8º da Lei nº 5.492, de 28 de dezembro de 1988, passando este a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 8º A alíquota do ITBI é de 3,0% (três por cento).”

No apagar das luzes de 2013, um trabalho desenvolvido pelos poderes Executivo e Legislativo municipais aprovaram um incremento no valor do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Intervivos – ITBI, majorando a alíquota anteriormente fixada em 20% (vinte por cento), saltando assim de 2,5% para 3%.

Cumpriram, aparentemente, o estabelecido na própria Constituição Federal: aumentar o tributo por lei (princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I), aprovada no exercício anterior àquele em que o aumento deveria vigorar (princípio da anterioridade anual, inscrito no art. 150, III, b), determinando ao final a produção dos efeitos da Lei após decorridos 120 dias da sua publicação, em atendimento ao princípio da Anterioridade Nonagesimal (art. 150, III, c), que exige um interregno mínimo de 90 dias, contados da data da publicação da lei que instituir ou aumentar tributo, para se exigir o mesmo com os seus acréscimos. É o que estabeleceu o art. 27 da Lei municipal: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, ressalvando-se os dispositivos dos quais decorram majoração de alíquotas de tributos e o art. 16, que produzirão efeitos em 120 (cento e vinte) dias contados da publicação desta lei.”

Tal Lei foi atacada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.14.008921-0/000, ajuizada pelo Partido Ecológico Nacional, tendo o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedido medida de natureza liminar, fundamentando sua decisão no disposto no art. 152, § 1º, da Carta Mineira: “É legítimo ao poder constituinte decorrente de revisão ampliar as garantias do contribuinte de que trata a Constituição da República, fazendo constar do texto da Constituição estadual norma que não admite a apresentação, no período de noventa dias que antecede o término da sessão legislativa, de projeto de lei que tenha por objeto a instituição ou majoração de tributo estadual (art. 152, § 1º, da Carta Mineira).”

Mas o que dispõe o dispositivo legal apontado? Veja-se:

“Art. 152- É vedado ao Estado, sem prejuízo das garantias asseguradas ao contribuinte e do disposto no art.150 da Constituição da República e na legislação complementar específica:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território estadual, ou que implique distinção ou preferência em relação a Município em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivo fiscal destinado a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico ente as diferentes regiões do Estado;

II- instituir isenção de tributo da competência do Município;

III – estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.

  • 1º. Não será admitida, no período de noventa dias que antecede o término da sessão legislativa, a apresentação de projeto de lei que tenha por objeto a instituição ou a majoração de tributo estadual.
  • 2º. O disposto no §1º deste artigo não se aplica a projeto de lei destinado exclusivamente a adaptar lei estadual a norma federal.”

Vê-se que há na Constituição Estadual uma limitação expressa quanto à apresentação de projetos de lei que versem sobre instituição ou aumento de tributo.

Assim, uma vez “Presentes os pressupostos legais e especiais, concede-se cautelar para suspender a aplicabilidade de norma impugnada até o julgamento final da ação direta de inconstitucionalidade”, conforme ementa do julgado.

Todavia, no julgamento da ADI os eméritos desembargadores, limitando-se às questões propostas, decidiram pela improcedência da ação, vez que a Constituição Estadual se referia a “tributos estaduais”, e não municipais. Consequentemente, indeferido o pedido e cassada a liminar, todos aqueles que realizaram transmissões onerosas de imóveis e direitos a eles relativos no período de 1º de maio de 2014 (termo inicial da produção dos efeitos da concessão da medida liminar) a 30 de abril de 2015 (quando foi cassada a liminar), estão agora recebendo notificações da administração tributária municipal, para pagar eventual diferença do tributo devido.

Alguns articulistas argumentam que tal decisão da administração pública municipal contraria o princípio da Não Surpresa tributária, este decorrente de uma construção doutrinária, vez que envolve os três princípios constitucionais já delineados anteriormente. Em síntese, o legislador constitucional buscou evitar que o contribuinte (direto ou indireto) seja surpreendido com as mudanças nas leis de tributação, como ocorreu constantemente em passado não muito distante dessa nossa República. Mas, a nosso ver, não se trata de mera aplicação do citado princípio, tampouco do princípio da irretroatividade (art. 150, III, a, CF), pois a constituição do crédito tributário considera a lei vigente na data da ocorrência do fato que gera a obrigação de pagar o tributo.

Com a devida vênia, o que se viu no julgado foi um amesquinhamento dos princípios que asseguram ao sujeito passivo maior segurança jurídica quanto ao pagamento dos tributos. Talvez porque o que será aqui comentado não tenha sido contemplado na ADI ou, se presentes tais argumentos na peça, sua análise foi dispensada pelos d. desembargadores.

Assim, ao lado do princípio constitucional da Anterioridade Nonagesimal, previsto no art. 150, III, c da Constituição Federal, a Constituição Estadual também criou uma espécie de noventena para a apresentação de projetos de lei que instituam ou aumentem tributos estaduais. E, em se tratando de competência para se instituir tributos, há que se observar as regras fixadas nos arts. 145 c/c art. 155 da Constituição Federal, que determinam as espécies de tributos que podem ser criados e a competência dos Estados e Distrito Federal para fazê-lo, além dos demais limites constitucionais (art. 146 e 150, por exemplo).

Em verdade, a Constituição Estadual reforça o princípio da Não Surpresa tributária, trazendo-o especificamente para o campo da produção legislativa. Se aplicados concomitantemente, um projeto de lei estadual tem que ser colocado à apreciação no prazo de 120 dias, tendo seu termo fatal o último dia da sessão legislativa.

A Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte não traz em seu bojo dispositivo similar àquele presente na Constituição Estadual.  Mas poderia o mesmo ser aplicado ao Município, aumentando a proteção ao contribuinte contra as mudanças nas regras de tributação?

Com o devido respeito aos posicionamentos em contrário, pugnamos pela sua possibilidade, exatamente em função do disposto na Constituição da República Federativa do Brasil. Os §§ 1º e 2º do art. 5º estabelecem que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” e que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Ora, o que o legislador constituinte pretendeu com isso? Muito simples: que em matéria de direitos fundamentais, aqueles elencados nos incisos do art. 5º não são exclusivos, mas exemplificativos.

Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (in Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 347-348), “O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. Essa interpretação é sancionada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (…) (Nota: ADI 939). E continua, citando Pontes de Miranda: “Pontes de Miranda ensinava, então, que a propósito da norma, de extração norte-americana (IX Emenda), era explicitar que ‘a enumeração de alguns direitos na Constituição não pode ser interpretada no sentido de excluir ou enfraquecer outros direitos que tem o povo’, acrescentando: ‘os textos constitucionais, quando se preocupam com os direitos dos indivíduos e dos nacionais, mais cogitam daqueles que facilmente se põem em perigo. Com isso, não negam os outros (…).” E finalmente conclui: “O propósito da norma é afirmar que a enumeração dos direitos não significa que outras posições jurídicas de defesa da dignidade da pessoa estejam excluídas da proteção do direito nacional”.

Ainda que se alegue que os entes federativos tem autonomia para legislar e se organizar (autonomia política e administrativa), temos que considerar que o Brasil é uma república federativa, formado pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal (art. 1º, Constituição Federal). Logo, o reconhecimento de um direito por um ente não obsta, em nosso modesto entendimento, que este seja reconhecido e aplicado no âmbito de outra unidade federativa, em se tratando de direitos fundamentais e da proteção do administrado contra os abusos perpetrados no âmbito da instituição ou aumento de tributos.

Nessa esteira de raciocínio, o ilustre Dr. Kildare Gonçalves Carvalho, em seu artigo intitulado “Interpretação da Constituição”, publicado na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, vol. 44, nº 3, julho/setembro 2002, pp. 89-91, assim se manifestou, de forma magistral, ao analisar os princípios constitucionais e apontando a necessidade destes como forma de proteção contra arbitrariedades: “Anote-se que a diferenciação entre regras jurídicas e princípios pode ser feita utilizando-se duas concepções básicas, chamadas de concepção débil e concepção forte. Na primeira, a distinção se dá apenas em nível de grau, ou seja, os princípios seriam normas de um grau de generalidade relativamente alto, enquanto que as regras teriam um nível relativamente baixo. Para a concepção forte dos princípios há uma diferença de qualidade, que se revela clara nas colisões de princípios e no conflito de regras, acima examinado, conforme concepção de Robert Alex e Ronald Dworkin. (…) A função hermenêutica dos princípios permite, dessa maneira, aos juízes extrair a essência de uma determinada disposição normativa, servindo ainda de limite protetivo contra a arbitrariedade. Daí por que os princípios são úteis em primeiro lugar para dirimir dúvidas interpretativas ao ajudar a esclarecer o sentido de determinada disposição normativa”.

Diante disso, até que sejam analisados e julgados possíveis recursos em relação ao indeferimento da ADI nº 1.0000.14.008921-0/000, os notificados pelo Município de Belo Horizonte deverão adotar as medidas cabíveis à situação, buscando o auxílio de um advogado especialista em Direito Tributário, salvaguardando-se das tormentosas questões pertinentes aos executivos fiscais.

Postado em: Artigo

Coemntários

Sem comentários to “Cobrança de Diferença de ITBI em Belo Horizonte”

No comments yet.

Deixe um comentário

×