Segundo o art. 2º da Lei Complementar n. 116/2003,
Art. 2o O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
II – a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados;
III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
A previsão contida no inciso I observa aquela máxima: a de não exportação de tributos, buscando tornar os produtos e/ou serviços mais competitivos, no mercado internacional.
O inciso II merece breve análise.
Quanto à relação entre administradores, gerentes, conselheiros e sócios das pessoas jurídicas, não paira dúvida quanto à não incidência, vez que há um vínculo contratual, estatutário e legal entre as pessoas enumeradas e as respectivas sociedades.
A prestação de serviços sob relação de emprego igualmente afasta a incidência da exação. Afinal, a relação de emprego rege-se pela Consolidação das Leis do Trabalho e o empregado tem esse vínculo obrigacional com o seu empregador, sem oferecer seus préstimos ou sua expertise para pessoas indistintas.
Quanto ao trabalhador avulso, é importante distingui-lo do trabalhador autônomo. Este último se refere àquele profissional que exerce, por sua conta e risco, determinada atividade profissional e recebe por isso.
Por trabalhador avulso pode ser considerada aquela pessoa que presta serviços para empresas sem possuir vínculo empregatício, ou seja, sem carteira de trabalho assinada. Vigias, cozinheiros e diaristas são exemplos de trabalhadores avulsos.
Segundo a Lei nº 8.213, de 24.07.1991, para que haja a materialização ou não de vínculo empregatício, urge comprovar se o serviço prestado pelo trabalhador tem relação com o objeto de exploração social do contratante, de forma direta ou indireta, bem como se estão previstos os demais requisitos arrolados no art. 3º da Lei Geral Trabalhista (subordinação hierárquica, permanência contínua, cumprimento de horário, pagamento de salário e correlação entre o serviço prestado e a atividade desenvolvida pelo contratante). É o caso, por exemplo, das diaristas. Caso prestem serviços para outra pessoa de forma contínua (segunda a sexta-feira, por exemplo, afastando a eventualidade, como a prestação de serviço uma vez a cada semana, ou mesmo quinzenalmente), a mera inexistência de contrato formal de emprego não é suficiente a não configurar eventual vínculo empregatício.
Apenas para deixar tal distinção de forma inequívoca, vale relembrar a figura do trabalhador temporário. Este tem uma relação empregatícia com certo empregador, mas tal vínculo é por prazo previamente definido, ordinariamente conhecido por “tempo limitado” (o prazo máximo para contratação é de 90 [noventa] dias). É o caso de alguém que foi contratado para substituir outrem, em razão de férias, afastamento por doença etc.
Por fim, quanto ao inciso III (“o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras”), estes estão fora do alcance de incidência da exação.
Porém, não são todas as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras que se enquadram na regra isencional. O item 15 da Lista de Serviços elenca quais são as atividades desenvolvidas pelos bancos e que se constituem em nítida prestação de serviços.
Por fim, o Parágrafo Único estabelece que não se equipara a exportação de serviços, caso estes, desenvolvidos no Brasil, tenha a verificação do resultado aqui materializada, pouco importando se o pagamento pelo serviço seja feito por residente no exterior.
Ora, qual é o sentido do vocábulo “resultado”, consignado no texto legal supra? Seria o momento em que o serviço contratado se considera concluído, ou o momento em que tal serviço possa ser usufruído, efetivamente, pelo contratante?
Tal questão fora objeto de debate na doutrina e na jurisprudência, tendo o tema sido objeto de debate junto aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial (REsp) nº 831.124 (RJ), da relatoria do então Ministro José Delgado. Tratava-se de discussão acerca de incidência do ISS em caso de retífica de motores de aeronave, concluída no Brasil, mas cuja verificação definitiva da correção do conserto ocorreria no país de destino, quando os mesmos fossem novamente instalados na(s) respectiva(s) aeronave(s). Naquela ocasião, entendia-se que, tendo sido concluído o serviço em território brasileiro (e, ad argumentandum, certamente o fornecedor de serviços teria como verificar se a retífica dos motores foi feita a contento, antes de seu reenvio), não se poderia aplicar a regra isencional do Parágrafo Único do art. 2º da Lei em análise. Veja-se a ementa do julgado:
REsp 831124 / RJ – RECURSO ESPECIAL – 2006/0052272-7 RELATOR(A) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) – ÓRGÃO JULGADOR T1 – PRIMEIRA TURMA
EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇO DE RETÍFICA, REPARO E REVISÃO DE MOTORES E DE TURBINAS DE AERONAVES CONTRATADO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, preliminarmente, indeferir o pedido de sobrestamento do feito formulado pelos advogados e, no mérito, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
(Obs.: Destaques postos.)
Deduz-se, pela leitura do julgado supra, que seria então necessário conhecer “os objetivos da contratação e da prestação”, para fins de se verificar onde ocorreram os “os verdadeiros resultados do serviço prestado”. Como já destacado anteriormente, o “propósito ou objetivo negocial” se torna elemento de extrema importância para verificação da ocorrência ou não do fato gerador, como já destacado outrora o Ministro Luis Fux, nos autos do Recurso Especial (Resp) nº 888.852/ES, Relator Ministro Luiz Fux.
Por outro lado, havia divergência de entendimento quanto à interpretação do vocábulo “resultado”, dividindo-se esse em um intervalo de tempo: em um momento, o serviço concluído; no segundo, quando este passasse a ser fruído pelo tomador do serviço, como entendia o falecido Ministro Teori Albino Zavascki.
No mesmo sentido, veja-se o teor do seguinte julgado:
Agravo Interno (AgInt) no Agravo em Recurso Especial (AREsp) nº 1446639/SP, STJ, 2ª T, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 19/09/2019, DJe 24/09/2019)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ISSQN. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1 – Trata-se da interpretação de norma infraconstitucional que defere imunidade ao contribuinte no imposto sobre serviço de qualquer natureza concernente à celebração de contrato internacional no transporte de bens para a sua utilização em eventos sediados no território brasileiro.
2 – Conforme consignado pelo Tribunal de origem, a prestação dos serviços foram verificados em território brasileiro, cuja obrigação de fazer consistente no “desembaraço aduaneiro, transporte até o local do evento, armazenagem, transporte de volta, etc”, tiverem a execução e o resultado econômico e jurídico no Brasil.
3 – Assim, nos termos dos precedentes desta Corte, a exegese do art. 2º, inciso I, p. ú., da LC 116/03, não se aplica quando os serviços são realizados em território brasileiro e o resultado aqui se verifique.
4 – Com efeito, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos.
5 – Logo, no caso em tela, verificando que as atividades desenvolvidas pelo recorrente não configuram exportação de serviço, resta inquestionável a incidência do ISSQN, consoante a incidência do disposto no parágrafo único, do art. 2º, da LC 116/03: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
6 – Agravo interno não provido.
(Obs.: Destaques postos.)
A adoção de termos imprecisos, na seara tributária, tem o condão de levar a discussões desse jaez, na seara tributária. Se o legislador não foi feliz na utilização de um ou outro termo, cabe ao Poder Judiciário buscar o equacionamento para correta aplicação da lei, o que não impede que, vez ou outra, eventual posicionamento jurisprudencial possa ser revisto.
Veja-se o exemplo abaixo, decidido pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Versava a situação levada à apreciação da citada Corte acerca de projeto de engenharia desenvolvido por empresa brasileira para tomador alienígena, que seria posteriormente implantado em país diverso. Nesse caso, entendeu-se que se tratava de exportação de serviços, vez que a consecução do projetado seria realizada posteriormente, a critério do tomador:
Agravo em Recurso Especial (AREsp) 587403/RS 2014/0245377T1 – PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 18/10/2016. Data da Publicação: 24/11/2016
Ementa: TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. EXPORTAÇÃO DE PROJETOS DE ENGENHARIA. NÃO INCIDÊNCIA.
(Obs.: Destaques postos.)
O que se depreende do ementário colacionado – e destaca-se, mais uma vez – é que pela análise do propósito negocial que se poderá aferir se a prestação restará ou não ao albergue da dispensa legal do pagamento do ISS. Todo cuidado deverá ser observado pelos contratantes na formulação do contrato de prestação de serviços, o que não afasta possíveis discussões acerca da incidência ou não do ISS, em caso de contratação de nacional por pessoa física ou jurídica domiciliada em território estrangeiro.
Em caso de dúvida quanto à incidência ou não da exação, poderá recorrer o interessado às vias administrativas, manejando o procedimento da consulta, ou pleitear o afastamento da dúvida por meio da ação judicial competente.