EXCLUSÃO DE SÓCIO E PROVA PERICIAL CONTÁBIL: NOVA SENTENÇA

Sabe-se que o que mantém uma sociedade unida é a affectio societatis, ou seja, o desejo de se manter sócio. Sem isso, não há sociedade que se mantenha.

Há diversas situações que podem levar à perda da affectio societatis, desde mudanças na vida de um ou mais sócios, resultando na impossibilidade de sua permanência na sociedade (mudança de endereço, problemas de saúde, impossibilidade técnica, perda de interesse etc.), até a ocorrência de atos que retirem da sociedade o elemento fidúcia, tais como práticas de crimes tributários, apropriação indevida do patrimônio da sociedade, pagamento de despesas pessoais em detrimento dos valores que devam ser distribuídos entre os sócios, concorrência direta ou indireta etc. O universo de situações autorizadoras da dissolução é bem amplo.

É imperioso que o documento de constituição da sociedade preveja as situações em que poderá ocorrer a saída do sócio, por sua livre iniciativa, ou por determinação dos demais sócios, bem como a forma de pagamento da participação do sócio retirante. Caso o referido instrumento não contemple tais disposições, ficará isto a critério do Juízo, ante o caso eventualmente submetido à sua apreciação.

Em situações desse jaez, a produção de prova pericial se torna imprescindível para se comprovar as alegações da parte.

De fato, ao longo de nossa vida profissional temos atuado de forma ampla e profunda, seja como advogado ou como perito contábil judicial, em ações envolvendo dissolução de sociedades e apuração de haveres, cuja apuração por perícia poderia ter sido dispensada se o contrato social previsse a forma de pagamento da participação do sócio que se exclui ou que foi excluído. Todavia, malgrado essas considerações, certo é que os documentos constitutivos das sociedades raramente contemplam tais orientações.

Ressalta, consequentemente, de tudo isso, a importância da prova pericial, cuja possibilidade de produção deverá ser adequadamente analisada pelo profissional da advocacia, no momento em que elabora a petição contendo o pedido judicial de dissolução da sociedade.

Ora, como analisar isso? Pelo exame dos documentos que serão as bases de sustentação do pedido, tais como livros contábeis e fiscais, documentos de recebimentos e pagamentos, extratos bancários. Deverá também ser considerado o goodwill (ou badwill), conforme o caso, bem como seus elementos, tais como nome empresarial, carteira de clientes, quadro técnico de profissionais, inovação e produtos comercializados etc.

Daí ressalta a importância da manutenção da escrituração contábil da sociedade em boa ordem e guarda. Afinal, os livros contábeis fazem prova a favor do comerciante.

Dada a natureza dessas ações, em que se admite ampla dilação probatória, deve-se destacar que costumam ser processos que demandam um tempo significativo para sua conclusão.

Veja-se, a título de exemplo, a sentença lavrada em 26.08.2023 nos autos de processo sob o nosso patrocínio e em que elaboramos os quesitos e acompanhamos a produção da prova pericial, com inequívoco êxito para o nosso cliente (não iremos divulgar número do processo e nomes, para proteção dos nossos clientes):

I- Relatório

(…).

II- Fundamentação

Primeiramente, cumpre ressaltar que as preliminares avençadas já foram devidamente enfrentadas na decisão saneadora, com os efeitos próprios da preclusão consumativa, motivo pelo qual, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, sendo a prova técnica e a documental acostada aos autos suficiente à prolação do édito sentencial (art. 370, CPC), passo ao exame do mérito.

Trata-se de ação visando à resolução parcial de sociedade limitada mediante exclusão de sócio, cumulada com pedido de restituição de valores e indenização, proposta por *** Alimentos Ltda. em face de *** e ***.

A sociedade autora alega que houve fraude no setor financeiro da empresa, com pagamentos não revelados ao sócio ***, relacionados a despesas dos réus e da esposa de ***. Mencionada, ainda, a retirada não autorizada de documentos em um domingo, fora do expediente. Duplicatas fraudulentas teriam sido criadas com a participação de *** e sua esposa ***, resultando no custeio pela empresa dos juros dos títulos resgatados. Outras acusações incluem o uso indevido do cartão de débito da empresa por *** com a conivência dos réus, a baixa de títulos de clientes inadimplentes sem cobrança dos débitos, apropriação de pró-labore acima do autorizado pelo contrato social e pagamentos indevidos relacionados a um lote e a manutenção de um cavalo.

Esses atos, segundo o autor, prejudicaram ***e a empresa, violando a confiança essencial em uma sociedade com propósito econômico-financeiro.

Sobre a dissolução parcial das sociedades empresariais, traz-se a lição do doutrinador Fábio Ulhoa Coelho:

“A ação de dissolução e liquidação de sociedades é disciplinada no Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei n. 1608/39), art. 655 de 674, mantidos em vigor pelo art. 1218, VII, do CPC/73). Como, naquele tempo, a noção de dissolução parcial ainda não havia sido concebida, na tecnologia e na jurisprudência, não foram previstas regras específicas para o seu tratamento. A rescisão judicial de parte dos vínculos do contrato de sociedade tem sido, assim, decretada em ações que observam as normas procedimentais atinentes à dissolução total. As necessárias adaptações, fazem-nas os juízes, pelo país afora, como lhes parecer melhor. Mas, na verdade, a matéria reclama uma urgente repositivação, que incorpore a sua significativa trajetória evolutiva; que distinga, no plano processual, a discussão acerca do desfazimento do vínculo societário (isto é, se o sócio tem, ou não, direito de retirada; se ele poderia ter sido expulso pela maioria; ou se a morte autorizava a apuração dos haveres do falecido), da relacionada à mensuração do valor da restituição ou reembolso. A distinção é, enfatizo, importantíssima para o devido regramento da ação de dissolução parcial. Os sócios podem estar de acordo quanto à desconstituição do vínculo societário, mas discordar na avaliação do valor a ser pago pelo sócio desligado ou ao sucessor falecido. E pode-se dar, em tese, o inverso: discordam quanto à rescisão parcial do contrato de sociedade, mas, uma vez definida esta pelo juiz, chegam a acordo quanto à restituição ou reembolso. Atentar aos dois lados da questão possibilita, assim, perceber a impropriedade de certas decisões interlocutórias, que insistem na realização de prova pericial para avaliação do patrimônio da sociedade, durante a instrução do pedido de dissolução parcial. À semelhança do que a lei fixa para dissolução total (CPC/39, art. 656), primeiro o Juiz deve proferir a sentença que desconstitua o vínculo societário ou dê pela improcedência. Após o trânsito em julgado da decisão dissolutória, e apenas nesse caso, se ainda permanecerem os sócios contendendo realiza-se a apuração judicial de haveres. A ação de dissolução e liquidação de sociedade, regulamentada pelo CPC de 1939 para hipótese de desfazimento de todos os vínculos societários, é, à falta de dispositivos legais mais apropriados, o meio processual idôneo também para a dissolução parcial e apuração de haveres. A referência ao objeto do litígio desaparecimento do vínculo societário ou do valor do crédito, por restituição ou reembolso é, por outro lado, essencial os direitos que os demandantes titularizam, uns perante os outros, enquanto corre o processo. Nesse sentido, se a ação versa sobre a ocorrência ou não da dissolução parcial, enquanto não decidida a controvérsia, permanece válidos e eficazes os termos do contrato social. Isso significa que o sócio continua tendo direito ao recebimento de lucros (se distribuídos estes) e pro labore (se contemplado com seu pagamento, no contrato social), bem como de participar das deliberações sociais e fiscalizar a gestão da empresa. Se, por exemplo, Antonio sócio minoritário da sociedade limitada, em cujo contrato social não é permitida a expulsão extrajudicial -, descumprindo o dever de lealdade, entra em competição com a empresa social, há fundamento para os demais expulsarem-no. Contudo, a expulsão não poderá ser efetivada, por mera alteração contratual, em vista da ausência de clausula permissória. Os sócios devem propor contra Antonio a ação de dissolução de sociedade. Caso provem a culpa dele, a ação é procedente, desfaz-se o vínculo; não realizada a prova da concorrência desleal, porém, a sentença é de improcedência, e Antonio continua sócio da sociedade. Como a demanda, nesse exemplo, tem por objeto a desconstituição ou permanência do vínculo contratual, enquanto não decidida, as partes são ainda obrigadas nos termos do contrato social. Antonio tem, desse modo, todos os direitos inerentes à titularidade da quota, enquanto não decretada a sua expulsão pelo juiz. Se, no final, o resultado não lhe é favorável, os valores que recebeu da sociedade, a partir da citação, podem ser compensados no reembolso. Já, na hipótese de estar superada do desfazimento do vínculo, e litigando as partes sobre os critérios de definição do crédito do antigo sócio, ou seu sucessor, o corretor é considerar que não existe mais a participação. Se Benedito, discordando de alteração contratual deliberada pela maioria exerce seu direito de retirada da sociedade limitada, o vínculo está desfeito pela só manifestação de vontade dele. Imagine que, ao proceder a apuração de haveres, a sociedade mensurou o seu patrimônio líquido apenas com a correção monetária do preço de compra dos bens do ativo, critério com o qual não concordou Benedito. A ação que a arcaica legislação processual vigente lhe oferece é a de dissolução embora o objeto da lide não seja o vínculo contratual todos concordam que foi desfeito -, mas o valor das quotas do retirante. Aqui, enquanto transcorre o processo, Benedito não titulariza mais direitos de sócio: não recebe participação nos lucros, pro labore, juros sobre o capital, nem pode influir nas decisões sociais ou fiscais a gerência (Mascheroni Muguillo, 1996: 333/ 335) seu crédito, uma vez estabelecidos pelo Juiz os critérios de mensuração, comportam correção e acréscimo de juros moratórios, desde a data do exercício do direito, mas não é mais influenciado pelos sucessos ou azares da sociedade posteriores à retirada.”

(“Curso de Direito Comercial Direito de Empresa”. São Paulo: editora Saraiva, 14ª edição, 2010, pp. 484/486)

Dispõe o artigo 1.007, do Código Civil, quanto aos direitos e obrigações dos sócios: “Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas”.

Sobre referidas disposições, leciona Alfredo de Assis Gonçalves Neto, em sua obra intitulada “Direito De Empresa”:

“Têm os sócios, também, o direito individual de participar dos lucros sociais na proporção ajustada no contrato social, que normalmente, salvo ajuste em contrário, corresponde ao seu percentual de participação no capital social. Esse é outro direito essencial: havendo lucros, os sócios têm sobre ele assegurado a sua participação, seja sobre forma de dividendos, seja mediante a bonificação de quotas ou sua aplicação na atividade social. (…) A partilha entre os sócios dos resultados consequentes da atividade econômica desenvolvida pela sociedade é um dos pilares essenciais para a sua identificação e para distingui-la de figuras afins (CC, art. 981). Esses resultados tanto podem ser positivos quanto negativos. Por isso, o contrato social deve prever a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas. Não havendo previsão contratual, incide a regra do art.1007 que nos arts. 1381 do código Beviláqua e 330 do Código Comercial estabelece participarem todos os sócios tanto dos lucros quanto das perdas na proporção de suas respectivas quotas ou, em se tratando de sócio de indústria, na proporção da média no valor das quotas”. (op. cit., Editora RT, 3ª edição, 2010, pp. 184 e 198).

Debruçando sobre o trabalho técnico profissional realizado pela expert nos presentes autos (art. 479 c/c 371, ambos do CPC), único meio de prova eleito como apto a descortinar o ponto controvertido da lide, encontram-se as seguintes conclusões técnicas, dispostas nos parágrafos seguintes, que credenciam este Juízo a julgar procedente a pretensão autoral deduzida contra os réus.

No laudo pericial, mui habilmente redigido, registre-se, a especialista concluiu, sob o aspecto técnico contábil, com base no método científico próprio à sua área de atuação, que estão demonstradas transações não declaradas nos documentos contábeis tendo como destinatários os réus *** e ***.

A empresa responsável pela contabilidade da sociedade empresária, de igual forma, informou, via declarações constantes nos anexos VIII e IX do Laudo Pericial, que a empresa não realizou a entrega dos extratos bancários dos bancos CEF e Bradesco referentes ao período anterior a outubro/2011.

Lavrou conclusão a perita, ainda, no sentido de que a esposa do réu ***, Sra. ***, era responsável pelas entregas dos documentos contábeis, uma vez que laborou como assistente financeira da empresa autora.

Finalizou a expert assentando firmemente que os extratos reais (ff. 569-722 e 724-761 – autos físicos) demonstram diversas movimentações que não constam dos extratos irreais (ff. 149-454 e 457-657), conforme anexos III e IV do referido laudo.

Das conclusões acima, foi apurada pela perícia técnica, corrigida, a diferença no montante total (acrescidos os juros legais e a correção de regência) de R$311.578,36 (trezentos e onze mil, quinhentos e setenta e oito reais e trinta e seis centavos), referente às contas da Caixa Econômica e do Bradesco (f. 52 – ID 5134208075).

Dessarte, constata-se a efetiva prática de diversas irregularidades pelos réus no mundo negocial, juntamente com a pessoa de ***, esposa do réu ***, e expressamente consignadas em petição inicial, fazendo com que a pretensão autoral mereça provimento.

As conclusões acima exaradas foram cientificamente demonstradas no bojo do laudo pericial técnico levado a efeito no curso da presente relação jurídica de direito processual, sob o crivo do princípio do contraditório e da ampla defesa.

Assim, tem-se que as alegações veiculadas em petição inicial pela autora, ainda em fase processual postulatória do feito, foram corroboradas pelo suporte probatório próprio, qual seja, a prova pericial, em conjunto com a prova documental produzida, agora em fase processual instrutória.

Ora, os atos ilícitos praticados pelos réus causaram, fatalmente, o enriquecimento ilícito deles e da pessoa de *** em detrimento direto da ré.

Enuncia o Código Civil, no artigo 884, verbis: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Nesse contexto, diante da quebra do vínculo de confiança e do dever de lealdade, faz-se necessária, portanto, a remoção definitiva dos réus dos quadros societários da autora, sendo devida a indenização material pelos prejuízos efetivamente causados e comprovados nos autos.

III. Dispositivo

Ante o exposto, resolvo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgando procedentes os pedidos formulados na inicial para:

a) determinar a dissolução parcial da sociedade autora/reconvinda, com a exclusão definitiva dos réus dos quadros sociais (art. 1030, Código Civil), determinando a apuração dos respectivos haveres nos termos do contrato social e considerando o valor real da sociedade, a ser realizada em sede de liquidação de sentença, mediante perícia;

b) condenar os réus ao pagamento, à autora, do montante de R$311.578,36 (trezentos e onze mil, quinhentos e setenta e oito reais e trinta e seis centavos), atualizados com a correção monetária da tabela da Corregedoria-Geral de Justiça do e. TJMG e juros de 1% (um por cento) ao mês, ambos desde a data da juntada do laudo  pericial do ID 5134208075.

Condeno os requeridos ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Servirá a presente sentença como ofício, a ser entregue, com cópia da certidão de trânsito em julgado, diretamente pela parte autora à JUCEMG e/ou quaisquer órgãos e instituições financeiras que se fizerem necessários para que seja efetivada a desvinculação/exclusão dos réus.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado e pagas as custas, arquivem-se os autos.

Cumpra-se.”

 

Como anteriormente afiançado, a produção a prova pericial foi determinante, no sentido de confirmar as alegações lançadas na exordial, calcada ainda na documentação acostada aos autos.

Por isso, orientamos: quando da constituição de uma pessoa jurídica, atentem os constituintes para disposições contratuais dessa natureza, o que poderá evitar o ajuizamento de ações judiciais. Uma vez proposta esta, a prova pericial se torna imprescindível e, nesse caso, o cobnhecimento contábil do patrono da parte influi significativamente no bom desfecho da lide, para a parte que ele representa.

Você está com problemas nesse sentido? Consulte-nos. São mais de 40 anos de trabalho nessa seara. Whatsapp 31 99775-5450.

Prof. Dr. Amaury Rausch Mainenti

Dr. Amaury Baeta Mainenti

 

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