Reforma Tributaria

 

Segundo alguns analistas, a proposta de reforma tributária apresentada pelo atual governo implicará maior benefício imediato, com injeção de R$ 22bilhões “no bolso da classe média”. Porém, tal ganho será reduzido pela metade em 2023, face à limitação de renda para opção pelo desconto simplificado.

Será mesmo? Vejamos

A Tabela do Imposto de Renda em vigor fixa o limite mensal de isenção em R$ 1.903,98. A proposta é aumentar o limite de isenção para R$ 2.500,00 (esse percentual de incremento é de meros 31,30%), limitando a opção pelo desconto simplificado ao contribuinte que auferir renda tributável anual de até R$ 40.000,00 (R$ 3.333,33 por mês).

Hodiernamente, o desconto simplificado está assim previsto na Instrução Normativa SRFB nº 1794, de 23.02.2018:

“Art. 3º A pessoa física pode optar pelo desconto simplificado, correspondente à dedução de 20% (vinte por cento) do valor dos rendimentos tributáveis na Declaração de Ajuste Anual, limitado a R$ 16.754,34 (dezesseis mil, setecentos e cinquenta e quatro reais e trinta e quatro centavos), observado o disposto nesta Instrução Normativa.

§ 1º A opção pelo desconto simplificado implica a substituição de todas as deduções admitidas na legislação tributária.”

Peguemos um exemplo:

a) O contribuinte tem uma renda bruta mensal de R$ 10.000,00. Paga despesas com pensão alimentícia equivalente a 4 salários mínimos por mês (um filho); despesas médicas de R$ 900,00 mensais; contribuição previdenciária no importe de R$ 504,18.

a.1) apurando a base de cálculo com deduções: R$10.000,00 – [(R$4.400,00) + R$ 900,00 R$ 504,18]= R$ 10.000,00 – [R$ 5804,18] = R$ 4.195,82 x alíquota IR (22,5%)  – parcela a deduzir (R$ 636,13) = R$ 308,16

a.2) apurando a base de cálculo com desconto simplificado: R$10.000,00 x 20%  = R$ 2.000,00; logo R$ 10.000,00 – R$ 1.396,20 (= R$ 16.754,34/12): base de cálculo é de R$ 8.603,80. O imposto é de 27,5% sobre a base, menos a parcela a deduzir, no valor de R$ 869,36: IR devido = R$ 1.496,69.

Assim, o desconto simplificado não é a melhor opção, no exemplo dado.

b) O mesmo exemplo, mas adotando a Tabela corrigida e sem opção pelo desconto simplificado (limite renda tributável anual R$ 40.000,00/12 = limite mensal de R$ 3.333,33):

b.1) apurando a base de cálculo com deduções: R$10.000,00 – (R$4.400,00 + R$ 900,00 + R$ 504,18)= R$ 10.000,00 – (R$ 5804,18)  = R$ 4.195,82 x alíquota IR (22,5%) – parcela a deduzir (R$ 746,25) = R$ 197,80

b.2) Não poderia apurar o IR considerando a base de cálculo com desconto simplificado, pois o valor da renda mensal (R$10.000,00) supera o limite mensal previsto na proposta de reforma (R$ 40.000,00/12 = R$ 3.333,33).

Portanto, no exemplo acima, verifica-se que a correção da Tabela poderá gerar para os contribuintes menor encargo: no exemplo, da ordem de 56% (R$ 308,16 / R$ 197,80).

Se eventualmente esse mesmo contribuinte tiver redução na sua renda para R$ 7.500,00, mantendo-se os mesmos gastos, como ficaria sua situação?

a) apurando a base de cálculo com deduções: R$7.500,00 – [(R$4.400,00) + R$ 900,00 R$ 504,18]= R$ 7.500,00 – [R$ 5804,18] = R$ 1.695,82. Ou seja, isento, segundo a tabela vigente.

b) apurando a base de cálculo com desconto simplificado: R$7.500,00 x 20% = R$ 1.500,00; logo R$ 7.500,00 – R$ 1.500,00 = R$ 6.000,00.  O imposto é de 27,5%  sobre a base, menos a parcela a deduzir, no valor de R$ 869,36: IR devido = R$ 780,64.

Aqui também o desconto simplificado não é a melhor opção, no exemplo dado.

Em caso de reajuste da Tabela, no exemplo citado o contribuinte permaneceria isento.

Há que se destacar que o Imposto de Renda, enquanto submetido ao princípio da capacidade contributiva, tem sua carga variada em função justamente das condições pessoais do sujeito passivo. Um contribuinte que não tenha que arcar, por exemplo, com o pagamento de pensão alimentícia, certamente terá maior encargo tributário, ainda que a renda seja equivalente.

O que se constata, nos exemplos dados, é que a perda de renda termina por afetar a capacidade contributiva do sujeito passivo, saindo de uma tributação de 27,5% para isento. No caso da reforma, a renda assim considerada também estaria alcançada pela isenção.

Retirar as deduções que ainda são permitidas, conforme legislação em vigor, importaria em violar a própria essência do imposto, haja vista que em tese se busca tributar efetivamente aquilo que representa acréscimo patrimonial para a pessoa física, após deduzidas as despesas para obtenção desta renda e manutenção pessoal e de seus dependentes.

Lado outro, e mudança proposta em relação ao limite de renda para opção pelo desconto de 20% é que causará efetivo impacto. Se hoje tal medida beneficia quem aufere renda anual até R$ 83.771,70 (R$ 16.754,34/20%), contribuinte que auferir renda acima de R$ 40.000,00 será obrigado a fazer a declaração completa do imposto. Saliente-se que o fundamento para revogação desse benefício é deveras curioso:

26. O Projeto de Lei acrescenta o art. 10-A e altera o inciso IX do caput do art. 10 da Lei nº 9.250, de 1995, com o objetivo de limitar a utilização de opção pelo desconto simplificado, de 20% (vinte por cento) dos rendimentos tributáveis na Declaração de Ajuste Anual do IRPF, apenas para contribuintes com rendimentos tributáveis que não ultrapassem a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) no ano-calendário.

27. O referido desconto simplificado, que constitui uma presunção instituída para simplificar o cumprimento das obrigações acessórias pelo contribuinte, tornou-se atualmente injustificável em razão da simplificação no preenchimento e apresentação da mencionada Declaração de Ajuste Anual do IRPF propiciada pelo avanço tecnológico incorporado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em seus sistemas informatizado.

28. Vale ressaltar, por exemplo, que a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil já disponibiliza ao contribuinte a declaração de ajuste anual assistida (em que o contribuinte tem acesso a informações prestadas pela fonte pagadora e pelo plano de saúde) e a declaração pré-preenchida (em que a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil apresenta ao contribuinte uma declaração minutada com informações de que dispõe em seus bancos de dados), entre outras facilidades, que são acrescentadas a cada ano.

29. Ademais, e sobretudo, deve-se ressaltar que a limitação do aludido desconto simplificado não impedirá que o contribuinte do IRPF utilize as deduções do imposto previstas na legislação a que efetivamente fizer jus, como despesas com previdência, despesas médicas e educacionais, além de despesas de valor fixo por dependente e não atingirá os contribuintes de menor poder aquisitivo.”

Assim sendo, se o contribuinte tiver renda acima de R$ 40.000,00, não poderá optar pelo desconto simplificado. Se suas deduções comprovadas via documentação legal for inferior ao desconto simplificado, certamente irá pagar mais Imposto de Renda:

Renda anual com desconto simplificado: R$ 83.771,70 – R$ 16.754,34 = R$ 67.016,36 x 0,275 = R$ 18.430,00

Renda anual com deduções comprovadas: R$ 83.771,70 – R$ 69.650,00 = R$ 14.121,70 (ISENTO!).

Renda anual com deduções não comprovadas: R$ 83.771,70 x 0,275 = R$ 23.037,21

No exemplo acima, se o contribuinte não tiver comprovação das deduções, ou se estas forem julgadas como inválidas pela administração tributária, ele sairá de uma condição de isenção para uma tributação de 27,5%.

Limitando o desconto para quem aufere renda tributável até R$ 40.000,00 em 20% deste (R$ 8.000,00, no caso), o governo estará ampliando o âmbito de arrecadação.

Na verdade, verifica-se que o benefício dado pela ampliação do limite de isenção será compensado com o aumento da tributação, tanto em relação às demais faixas de renda (vez que o percentual de correção da Tabela é decrescente), quanto pela limitação de opção pelo desconto simplificado.

No âmbito da tributação da atividade rural, por pessoa física, não se identifica registro quanto à mudança de critério de apuração do lucro da atividade, mediante dedução do percentual de 20% sobre a receita da atividade rural.

Com essa mudança, estima o governo que o “investimento” feito na concessão do “benefício” redundará em retorno aos cofres públicos do montante, em 2023, da ordem de R$ 10 bilhões.

Ou seja, o Governo dá com uma mão e retira com a outra.

Daí vem a pergunta que não quer calar: o que fazem os Governos para reduzir as despesa públicas (especialmente as de custeio) a patamares razoáveis? (Lembrando que os Estados, Distrito Federal e Municípios tem participação na arrecadação do Imposto de Renda.)

AMAURY RAUSCH MAINENTI

OABMG 86310 – CRCMG 61567 – PERITO JUDICIAL CNJ/CFC 2305

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