RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DOS CÔNJUGES

  • Por: Amaury Mainenti
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Um dos maiores problemas com que se defronta, na atualidade, está justamente na manutenção de uma boa relação entre os cônjuges, especialmente quanto à obrigatoriedade de assinatura de um deles nos contratos de empréstimos e financiamentos, ou em outras situações que ocorrem no dia a dia, tais como a penhora de recursos em comum. Afinal, “quando se mexe no bolso do ser humano, este vira bicho”, conforme dizia um amigo de longa data, do alto de sua simplicidade campesina.

A legislação brasileira estabelece os regimes de casamento, precisamente nos arts. 1658 a 1671 do Código Civil. Tais artigos se encontram elencados no Título II – Do Direito Patrimonial do Livro IV, que trata do Direito de Família.

É importante que os cônjuges atentem para essa normatização, para se evitar problemas futuros. Nos casos em que um ou ambos atuam no mercado, explorando por risco e conta própria uma atividade de cunho econômico, optar corretamente pelo regime de comunhão parcial ou total pode fazer toda a diferença.

Veja-se o que dispõe o Código Civil, nesse sentido:

TÍTULO II

Do Direito Patrimonial

SUBTÍTULO I

Do Regime de Bens entre os Cônjuges

(…)

CAPÍTULO III

Do Regime de Comunhão Parcial

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III – as obrigações anteriores ao casamento;

IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

(…).

 

CAPÍTULO IV

Do Regime de Comunhão Universal

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

(…).

 

CAPÍTULO VI

Do Regime de Separação de Bens

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Em cada modalidade de regime se tem consequências peculiares. Daí os cuidados que os nubentes devem ter, ao escolher o regime de casamento.

O legislador civilista foi extremamente eficiente no tocante à disciplina dada ao regime de comunhão. Isso se revela, na vida prática, de extremada importância, pois permite que um dos cônjuges, eventualmente prejudicado por ação do parceiro, possa opor as medidas cabíveis, em caso de constrição de valores.

Por exemplo, recentemente obtivemos êxito em pedido de suspensão de restrição sobre imóvel de titularidade de um dos cônjuges, ordenada pelo Juízo da execução fiscal a pedido da Procuradoria da Fazenda Federal. Demonstramos, em sede de embargos de terceiro interessado, que a aquisição da propriedade se dera anteriormente à união, por sucessão causa mortis, nos idos de 1962. Corolário a isso, também restou demonstrada a ausência de participação efetiva da pessoa interessada na administração da sociedade executada. Veja-se extrato do fundamento da abalizada sentença:

De fato, para que tal bem, adquirido por sucessão pela autora em 1962, se comunicasse com o patrimônio do devedor, seria necessário que este fosse casado com a embargante pelo regime de comunhão universal de bens (art. 1667, do Código Civil). No entanto, conforme se vê da certidão de fls. 148 dos referidos autos, não consta qualquer averbação de casamento da embargante com o devedor, o que torna comprovado que a embargante e o devedor viveram apenas em união estável.

Lado outro, entenderam os Srs. Ministros do Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos autos do Recurso Especial nº  REsp nº 1830735 / RS (2019/0232428-1) autuado em 08/08/2019, ser possível a constrição judicial de bens do cônjuge casado neste tipo de regime, mesmo que não integrante do processo, desde que resguardada sua meação. No caso, a parte interessada havia formulado pedido de penhora eletrônica em contas bancárias de titularidade da esposa de devedor casado em regime universal de bens, pedido este que fora indeferido pelo Juízo singular e colegiado.

Em seus argumentos, asseverou que a constrição sobre bens da esposa do devedor era viável, e seu indeferimento contrariava o disposto no art. 1.667 do Código Civil, que, como visto, importa na comunicação total de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, incluindo ativos financeiros. Ou seja, nessa modalidade de regime de casamento se forma um único patrimônio entre os consortes, o qual engloba todos os créditos e débitos de cada um individualmente, com as exceções previstas no art. 1.668 do Código Civil”, como enfatizado pelo Sr. Ministro Relator, Min. Marco Aurélio Bellizze.

Vale reproduzir a decisão monocrática objeto de ataque via recurso especial, prolatada pelo Sr. Des. Dr. Pedro Dal Prá, do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE MANTEVE O INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PENHORA ONLINE NAS CONTAS BANCÁRIAS DA ESPOSA DO EXECUTADO. TERCEIRA QUE NÃO INTEGRA A RELAÇÃO PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE DA CONSTRIÇÃO VIA BACENJUD EM CONTA BANCÁRIA DE PESSOA ESTRANHA AO FEITO. PRECEDENTES DESTA CORTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A

Vistos.

I – Relatório

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUIS ANTONIO MARCHETT e OUTRO contra a decisão de fl. 32 (embargos de declaração) que, nos autos do cumprimento de sentença que promovem em desfavor de IDACIR JOSÉ MARCHETT, manteve o indeferimento do pedido de penhora online nas contas bancárias da esposa do executado (decisão das fls. 28/29).

Assevera a parte agravante, em suas razões (fls. 04/19), que a decisão agravada enseja reforma, porquanto inexiste óbice para a perfectibilização da penhora nas contas de titularidade da cônjuge meeira, desde que ressalvada a respectiva meação. Sustenta que o deferimento do pedido decorre do fato de que a constrição recairá sobre o patrimônio do agravado e não da sua cônjuge, inexistindo, portanto, restrição a bem de terceiro estranho à lide. Refere que em processos análogos, os agravantes também postularam a penhora de ativos financeiros em nome da cônjuge, tendo o pedido sido deferido pelos juízes singulares. Afirma que é de conhecimento que o agravado vem dilapidando seu patrimônio, no manifesto intuito de ludibriar os credores. Cita precedentes para embasar a sua tese. Pugna pelo provimento do recurso.

Vieram-me os autos conclusos, ocasião em que recebi o recurso sem pedido de atribuição do efeito suspensivo (decisão de fls. 76/77).

Sem contrarrazões, retornaram-me os autos conclusos para apreciação.

É a síntese.

II – Fundamentação

Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face da seguinte decisão de primeiro grau:

“Vistos. Indefiro o pedido de penhora on-line das contas bancárias da esposa do executado, na forma como postulado às fls. 465/470, uma vez que ela não integra a relação processual, devendo ser observado o devido processo legal, nos termos do inc. LIV do art. 5º da Constituição Federal, quando dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (…)

No tocante ao pedido de penhora dos direitos e ações pertencentes ao executado incidente sobre o lote nº 10, quadra “G”, do imóvel matriculado sob o nº 54.230 do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Zona de Caxias do Sul, RS, já foi objeto de apreciação judicial, conforme se observa das decisões das fls. 364 e 461 e do termo de penhora da fl. 462. Importante ressaltar que cabe à parte exequente, em sendo o caso, providenciar a averbação de penhora de imóvel no registro competente, mediante a apresentação de cópia do auto ou termo, independentemente de mandado judicial, conforme dispõe o art. 844 do Código de Processo Civil/2015.

Intimem-se.

Intime-se, também, a parte exequente para dizer acerca do prosseguimento do feito, sob de arquivamento. (…).”

Não merece prosperar a pretensão recursal.

Isso porque, sendo a esposa do executado terceira pessoa, que sequer integra a lide, eventual deferimento do pedido de penhora online, via BacenJud, importaria em constrição de valores em conta de pessoa estranha ao feito e que responderia com seu patrimônio por execução da qual, repisa-se, não faz parte.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PEDIDO DE PENHORA ONLINE EM CONTA DE TERCEIRA ESTRANHA AO FEITO. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA E AOS EFEITOS INTER PARTES DA SENTENÇA.

  1. Nos termos do Art. 506 do NCPC: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. Complementado tal disposição, o art. 108 da referida lei processual dispõe que: No curso do processo, somente é lícita a sucessão voluntária das partes nos casos expressos em lei. .
  2. Assim, no caso concreto, não integrando a terceira o polo passivo da lide, de modo que não foi citada ou participou da fase de conhecimento, não há que se falar na constrição de seus bens por força da sentença exequenda. Se a terceira é devedora do executado em processo distinto, o procedimento correto a ser adotado é a penhora no rosto dos autos, e não o redirecionamento da execução em seu desfavor. Negaram provimento ao agravo de instrumento. Unânime. (Agravo de Instrumento Nº 70078487279, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 17/10/2018).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO MONITÓRIA. PENHORA ON LINE. AUSÊNCIA DA PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AGRAVANTE. Não cabe acolher o pedido do agravante de constrição on line dos bens da esposa do agravado, porquanto se trata de pessoa estranha ao feito, logo a manutenção da decisão agravada que indeferiu o pedido de penhora via BACENJUD é medida que se impõe. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70075019125, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 14/03/2018).

Desse modo, vai mantida a decisão agravada.

III – Dispositivo

Por estas razões, com lastro no inciso IV do art. 932 do CPC, nego provimento ao recurso, à vista da sua manifesta improcedência.

Comunique-se ao douto Juízo a quo, com cópia da presente.

Publique-se e Intime-se.

Diligências legais.

Porto Alegre, 29 de outubro de 2018.

DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ,

Relator.

 

Deve-se, portanto, identificar o melhor regime de casamento, a fim de assegurar aos cônjuges a proteção necessária aos respectivos bens, evitando atropelos que podem prejudicar as relações entre ambos.

 

Amaury Rausch Mainenti é contador e advogado tributarista, atuando ainda como auditor e perito judicial contábil desde 1986. É professor de Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil em diversas instituições de ensino superior. Foi auditor de tributos municipais.

Amaury Baeta Mainenti é advogado, graduado pela PUCMG e pós graduando em Direito Civil e Processual Civil.

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