STF delimita percentuais de multas tributárias

STF delimita percentuais de multas tributárias

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
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Decisão do STF beneficia contribuintes: reveja seu REFIS e reduza sua dívida. Contate-nos!

Muitos contribuintes se assustam e se indignam quando, ao serem autuados pela Fazenda Pública, se deparam com as multas escorchantes que lhes são impostas, sendo que estas, em muitos casos, superam facilmente o valor do próprio tributo devido, em percentuais notoriamente relevantes, o que pode acarretar a própria descontinuidade das operações da pessoa jurídica ou levar a pessoa física a uma possível situação de insolvência.

Temos casos em nosso escritório em que os encargos pecuniários cobrados dos contribuintes perfazem algo entre 400% e 700% do valor do tributo.

Certo é que o legislador constituinte originário traçou balizas para que os entes federativos, constitucionalmente autorizados a instituir tributos sobre determinados fatos – alguns ostentando conteúdo econômico, como no caso dos impostos, e outros como contraprestação direta por um serviço estatal diretamente prestado ao sujeito passivo, como no caso das taxas –, pudessem exercer tal atribuição. Tais balizas são conhecidas por princípios ou limitações constitucionais ao poder de tributar, quase todos concentrados nos artigos 146 a 156 da Constituição Federal.

Dentre tais princípios, avulta a importância do princípio da legalidade, cujo enunciado delimita o campo de abrangência da lei: somente esta é que pode instituir ou aumentar tributo, observados os seus requisitos de validade material e formal, além da existência de algumas ressalvas constitucionais ao mesmo (tal como a exigência de mero decreto para se aumentar tributos que tenham natureza extrafiscal, tais como o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto de Importação, Imposto de Exportação e Imposto sobre Operações financeiras, todos de competência da União).

Corolário ao princípio da legalidade, se encontra o princípio da reserva legal, em que se constata a existência de um campo específico de aplicação de uma lei, adjetivada com o vocábulo “complementar”. Somente através desta espécie de lei (lei complementar, que exige um quórum mais expressivo para a sua aprovação e se vincula a determinadas matérias) é que se pode, por exemplo, a) disciplinar as limitações ao poder de tributar (art. 146, I, CF); b) definir tributos e suas espécies, bem como fato gerador, base de cálculo e contribuintes destes (art. 146, III, a, CF); estabelecer tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas (art. 146, III, d, CF) etc.

Vale lembrar que somente a lei (nesse caso, lei ordinária), é que pode definir os crimes (incluindo os tributários) e cominar as penalidades (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Art. 5º, XXXIX, CF).

Há, porém, dois princípios constitucionais que tem relação direta com o tema das multas tributárias: o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF) e vedação ao confisco (art. 150, IV, CF). Mas qual é o enunciado desses princípios?

Pelo princípio de capacidade contributiva, restou determinado que “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Por isso é que alguns impostos assumem um caráter pessoal, como ocorre com o Imposto sobre a Renda, em que se verifica, caso a caso, qual é a efetiva capacidade contributiva do sujeito passivo, preservando-lhe de se tributar o “mínimo existencial”, que seria aquele valor suficiente à manutenção do contribuinte e dos seus dependentes, sem reduzi-los à mendicância. Bem, pelo menos é isso que a Constituição Federal prevê, vez que tal princípio gera uma série de controvérsias quanto à sua aplicação no Brasil.

Destaca-se, por necessário à compreensão do tema, que há impostos que levam em conta tão somente o valor intrínseco do bem ou da operação realizada, não se atendo às condições pessoais dos obrigados ao seu pagamento. Ou seja, não se verifica se o contribuinte tem ou não condições para possuir um determinado bem. Importa, em situações desse jaez, apenas o valor daquele, para fins de tributação, como acontece, por exemplo, com o IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

O princípio da vedação ao confisco se encontra no art. 150, IV, da Constituição Federal. Significa que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios usar tributo com efeito de confisco. Mas o que vem a ser confisco? De outra monta, lavramos: “O confisco pode ser compreendido como a violação abrupta e arbitrária ao direito de propriedade de quaisquer tipos de bens. Usar tributo com efeito confiscatório consiste em se transferir para o Estado, como já mencionado, parcela maior do patrimônio do contribuinte” (MAINENTI, Amaury Rausch. O problema das multas tributárias. Caderno Leia & Colecione nº 184, de 26.09.2012. Jornal Diário do Comércio: Belo Horizonte, 2012, p. 3).

Mas e como ficam as multas impostas aos obrigados ao pagamento dos tributos? Sujeitam-se ou não aos princípios da capacidade contributiva e do não confisco?

Os operadores do Direito Civil sempre tiveram a orientação legal de que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. É o que estabelece o art. 412 do Código Civil. Se, lado outro, o Direito Tributário é um direito de sobreposição, deveria (ou pelo menos, deveria) seguir este o que se disciplina em outros ramos do Direito. Por isso sempre se afigurou abusiva, ilógica, desarrazoada, desproporcional, a fixação de multas em patamares superiores ao próprio valor do tributo.

Sempre advogamos, pois, a tese de que “a cominação de penalidades não pode contrariar princípios elencados na Constituição Federal, ainda que estes se refiram aos tributos. Estamos vinculados à ideia de obrigação tributária principal, que, pela própria dicção do art. 113 do CTN, contempla o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. E, se o tributo não pode ser excessivo; se a taxa tem que remunerar o serviço prestado; se a contribuição de melhoria tem por limite o custo da obra, então porque cargas d´água a penalidade tem que ser cominada em patamar tão expressivo?” (MAINENTI, op. cit. 2012, p. 3)

Importante apontar que o caráter confiscatório das multas já fora objeto de análise pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de há muito. Veja-se, a propósito, manifestação do Min. Marco Aurélio, em seu relatório nos autos do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº 833.106, de 25.11.2014: “MULTA TRIBUTÁRIA – CONFISCO – OCORRÊNCIA – PRECEDENTES – PROVIMENTO. 1. O Tribunal de origem manteve a cobrança de multa tributária, prevista em lei estadual, no percentual de 120% do valor da obrigação principal. Assentou não implicar inconstitucionalidade previsão legal de penalidade pecuniária em patamar superior ao valor do próprio tributo, ausente o caráter confiscatório da sanção. A decisão impugnada está em desarmonia com a jurisprudência do Supremo. O entendimento do Tribunal é no sentido da invalidade da imposição de multa que ultrapasse o valor do próprio tributo – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ, relator ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 14 de fevereiro de 2003, e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP, relator ministro Gilmar Mendes, julgado sob o ângulo da repercussão geral em 18 de maio de 2011, Diário da Justiça de 18 de agosto de 2011.”

Ora, as multas punitivas, então, tem como limite o valor do tributo devido. Nada mais! Uma garantia para o sujeito passivo e correção de uma excrecência que não poderia ainda prosperar.

Nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 727.872/RS, o Min. Roberto Barroso foi incisivo ao analisar as multas tributárias. Considera que as multas punitivas já se encontram definidas em julgados anteriores por parte dos ministros daquela Corte, limitando-se estas a, no máximo, 100% (cem por cento) do valor da obrigação tributária principal. E, no tocante às multas moratórias, estabelece o marco de 20% (vinte por cento) para as mesmas, conforme se depreende do presente excerto, extraído do seu voto: “(…)A tese de que o acessório não pode se sobrepor ao principal parece ser mais adequada enquanto parâmetro para fixar as balizas de uma multa punitiva, sobretudo se considerado que o montante equivale a própria incidência. Após empreender estudo sobre precedentes mais recentes, observei que a duas Turmas e o Plenário já reconheceram que o patamar de 20% para a multa moratória não seria confiscatório. Este parece-me ser, portanto, o índice ideal. O montante coaduna-se com a ideia de que a impontualidade é uma falta menos grave, aproximando-se, inclusive, do montante que um dia já foi positivado na Constituição.(…)”

E finaliza: “Considerando as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular, parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas.”

Em suma, a tese do confisco tributário para as multas foi sufragada pelo STF. De ora em diante não será mais possível que o contribuinte se veja às voltas com multas tributárias acima de 20%, para as multas moratórias, e acima de 100%, para as multas punitivas.

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