A questão do reconhecimento da imunidade constitucional em relação aos impostos não deve e nem deveria causar quaisquer dificuldades em sua aplicação, dada a clareza dos vocábulos elencados pelo legislador constituinte originário, na construção do art. 150, VI, cujo enunciado é o seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
(…).
4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
Veja-se o que disciplina a alínea c, especialmente a parte final: “sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.
Ora, quando uma entidade pode ser considerada sem fins lucrativos, nos termos da lei? Há diretrizes objetivas quanto a essa definição?
A ausência de finalidade lucrativa, em princípio, se refere ao elemento subjetivo que motivou à constituição da entidade assistencial ou educacional, eis que podem coexistir, em nosso ordenamento, entidades educacionais que almejam o lucro, como se revela nos grandes grupos econômicos que exploram o ensino universitário. Mas o legislador constituinte atribuiu à lei complementar o papel de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II, Constituição Federal).
A lei em referência é o Código Tributário Nacional, cujos artigos pertinentes a esse tema são tão radiantes quanto a luz do sol:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…);
IV – cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (…)
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.
Veja-se que não há qualquer outra exigência posta no âmbito do Código, tais como a existência de certificados e outros documentos, para que a entidade possa usufruir da imunidade.
Com base nisso, em recente julgado (12.04.2022), proferido em sede de apelação interposta por uma instituição de ensino particular (Processo nº 0019504-77.2017.4.01.3800), a 7ª Turma do TRF1 reformou a sentença e deu provimento ao recurso para garantir à referida entidade a concessão da imunidade tributária do art. 150, VI, c, e do § 7º do art. 195, ambos da Carta Magna, referente à instituição de impostos sobre seu patrimônio, renda ou serviços e sobre contribuição para a seguridade social e garantiu o direito à repetição (devolução) dos valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos.
Sustentou a apelante ser dispensável a apresentação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) ou qualquer outro requisito não previsto no art. 14 do CTN, para a concessão da imunidade tributária.
Isso vai ao encontro das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Veja-se, exemplificativamente:
A imunidade das entidades de assistência social prevista no art. 150, VI, c, da CF abrange rendimentos em aplicações financeiras enquanto não houver regulação do disposto no § 4º do art. 150 da CF por lei complementar. [AI 769.613 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 9-3-2010, 2ª T, DJE de 9-4-2010.] = AI 673.463 AgR, rel. min. Roberto Barroso, j. 24-9-2013, 1ª T, DJE de 5-11-2013
O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da CF exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. Assim, para se chegar à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. (…) A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião.
[RE 562.351, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 4-9-2012, 1ª T, DJE de 14-12-2012.]
A imunidade prevista no art. 150, VI, c, do Diploma Maior, a impedir a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, está umbilicalmente ligada ao contribuinte de direito, não abarcando o contribuinte de fato.
[RE 491.574 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 21-8-2012, 1ª T, DJE de 6-9-2012.]
Imunidade. Artigo 150, VI, c, da CF. (…) Com o advento da Constituição de 1988, o constituinte dedicou uma seção específica às ‘limitações do poder de tributar’ (art. 146, II, CF) e nela fez constar a imunidade das instituições de assistência social. Mesmo com a referência expressa ao termo ‘lei’, não há mais como sustentar que inexiste reserva de lei complementar. No que se refere aos impostos, o maior rigor do quórum qualificado para a aprovação dessa importante regulamentação se justifica para se dar maior estabilidade à disciplina do tema e dificultar sua modificação, estabelecendo regras nacionalmente uniformes e rígidas. A necessidade de lei complementar para disciplinar as limitações ao poder de tributar não impede que o constituinte selecione matérias passíveis de alteração de forma menos rígida, permitindo uma adaptação mais fácil do sistema às modificações fáticas e contextuais, com o propósito de velar melhor pelas finalidades constitucionais. Nos precedentes da Corte, prevalece a preocupação em respaldar normas de lei ordinária direcionadas a evitar que falsas instituições de assistência e educação sejam favorecidas pela imunidade. É necessário reconhecer um espaço de atuação para o legislador ordinário no trato da matéria. A orientação prevalecente no recente julgamento das ADIs 2.028/DF, 2.036/DF, 2.228/DF e 2.621/DF é no sentido de que os artigos de lei ordinária que dispõem sobre o modo beneficente (no caso de assistência e educação) de atuação das entidades acobertadas pela imunidade, especialmente aqueles que criaram contrapartidas a serem observadas pelas entidades, padecem de vício formal, por invadir competência reservada a lei complementar. Os aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais da regra de imunidade, tais como as referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo, continuam passíveis de definição por lei ordinária.
[ADI 1.802, rel. min. Dias Toffoli, j. 12-4-2018, P, DJE de 3-5-2018.]
Há decisões proferidas por outras instâncias que pugnam pela aplicação da exigência do certificado, para que o contribuinte possa se beneficiar da imunidade (“art. 195. (…)§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”). Porém, isenção posta no plano constitucional é imunidade. Nosso entendimento é que, mesmo em se tratando de contribuições previdenciárias, há que se considerar, para a concessão do benefício, o que dispõe a Carta Magna em relação à imunidade. Nesse sentido, a suprema jurisprudência:
Nos exatos termos do voto proferido pelo eminente e saudoso min. Teori Zavascki, ao inaugurar a divergência: 1. “(…) fica evidenciado que (a) entidade beneficente de assistência social (art. 195, § 7º) não é conceito equiparável a entidade de assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI); (b) a CF não reúne elementos discursivos para dar concretização segura ao que se possa entender por modo beneficente de prestar assistência social; (c) a definição desta condição modal é indispensável para garantir que a imunidade do art. 195, § 7º, da CF cumpra a finalidade que lhe é designada pelo texto constitucional; e (d) esta tarefa foi outorgada ao legislador infraconstitucional, que tem autoridade para defini-la, desde que respeitados os demais termos do texto constitucional.” 2. “Aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei complementar é forma somente exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem observadas por elas.”
[ADI 2.028, red. do ac. min. Rosa Weber, j. 2-3-2017, P, DJE de 8-5-2017.]
“A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas” (…) Na condição de limitações constitucionais ao poder de tributar, as imunidades tributárias consagradas na CF asseguram direitos que se incorporam ao patrimônio jurídico-constitucional dos contribuintes. Assim, o emprego da expressão “são isentas”, no art. 195, § 7º, da CF, não tem o condão de descaracterizar a natureza imunizante da desoneração tributária nele consagrada. Não há dúvida, portanto, sobre a convicção de que a delimitação do campo semântico abarcado pelo conceito constitucional de “entidades beneficentes de assistência social”, por inerente ao campo das imunidades tributárias, sujeita-se à regra de reserva de lei complementar, consoante disposto no art. 146, II, da CF.
[RE 566.622 ED, red. do ac. min. Rosa Weber, j. 18-12-2019, P, Informativo 964, RG, Tema 32.]
Deve o sujeito passivo atentar para tais questões, buscando a solução jurídica mediante manejo da ação adequada, caso se veja prejudicado em sue direito à obtenção do benefício constitucional.