VÍDEO TEMA Nº 1.113 DOS RECURSOS REPETITIVOS: BASE DE CÁLCULO DO ITBI

  • Por: Amaury Mainenti
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O legislador constituinte elencou como fato econômico tributável as transmissões de bens imóveis, conforme art. 156, II. Veja-se:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (…)

No § 2º fez constar algumas diretrizes, voltadas especialmente para fomentar a atividade econômica, com a criação de empresas:

2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II – compete ao Município da situação do bem.

Transmissão de bens imóveis entre pessoas pode se constituir por uma série de atos, configurando uma verdadeira operação, assim entendida como a concatenação de diversos atos para a obtenção de determinados resultados ou de determinados objetivos, como nos casos previstos no inciso I do § 2º acima reproduzido. Por isso nos referimos, frequentemente, a “operações de transmissão” ou “atos de transmissão”.

Bem, a Carta Magna, como cediço, NÃO CRIA TRIBUTOS, mas sim, OUTORGA COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. Logo, cabe a cada município brasileiro instituir, por lei, o imposto em referência.

Por se tratar de um tributo na espécie imposto, o art. 146, III, consoante com a alínea a da Constituição atribuiu à lei complementar a definição dos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(…);

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (…).

A lei complementar, no caso, é o Código Tributário Nacional – CTN, instituído pela Lei nº 5.872, de  25.10.1966. Lembrando: esta Lei nasceu como lei ordinária, mas foi recepcionada pela ordem constitucional com o status de lei complementar, por contemplar os aspectos gerais em matéria tributária.

O CTN ainda contempla os Impostos sobre Transmissão de bens imóveis considerando as operações realizadas entre pessoas vivas ou por sucessão hereditária, atribuída a competência tributária aos Estados. Veja-se os artigos correspondentes aos principais aspectos (fato gerador, base de cálculo, sujeito ativo e passivo):

CAPÍTULO III

Impostos sobre o Patrimônio e a Renda

(…)

SEÇÃO III

Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

(…)

Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

(…).

 Art. 41. O imposto compete ao Estado da situação do imóvel transmitido, ou sobre que versarem os direitos cedidos, mesmo que a mutação patrimonial decorra de sucessão aberta no estrangeiro.

Art. 42. Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei.

Importa-nos, nesse artigo, a análise do aspecto quantitativo do imposto, qual seja, a base de cálculo. O que vem a ser “valor venal”? É aquele atribuído pelo contribuinte ou o valor definido pela fazenda pública credora?

Bem, a definição do que seja “valor venal” foi finalmente dirimida pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recursos repetitivos, que tinha por objeto (disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1113&cod_tema_final=1113 . Acesso em 04.04.2023):

Definir: a) se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU; b) se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI.

Restou definida a seguinte tese:

A) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Portanto, vê-se que as bases de cálculo do ITBI e do IPTU não se correlacionam, até porque a base desta última exação pode ser arbitrada pelo fisco, com base em planta genérica de valores.

Veja-se o respectivo acórdão:

STJ – 1ª Seção – RECURSO ESPECIAL Nº 1.937.821 – SP (2020/0012079-1) RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA – 24 de fevereiro de 2022 (Data do julgamento).

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI). BASE DE CÁLCULO. VINCULAÇÃO COM IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU). INEXISTÊNCIA. VALOR VENAL DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. REVISÃO PELO FISCO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. PRÉVIO VALOR DE REFERÊNCIA. ADOÇÃO. INVIABILIDADE.

  1. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior é no sentido de que, embora o Código Tributário Nacional estabeleça como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) o “valor venal”, a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos.
  2. Os arts. 35 e 38 do CTN dispõem, respectivamente, que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões e que a base de cálculo do tributo é o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado.
  3. A possibilidade de dimensionar o valor dos imóveis no mercado, segundo critérios, por exemplo, de localização e tamanho (metragem), não impede que a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado oscile dentro do parâmetro médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legítimas para a determinação do real valor da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador no ajuste do preço.
  4. O ITBI comporta apenas duas modalidades de lançamento originário: por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário, ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que caberá ao contribuinte apurar o valor do imposto e efetuar o seu pagamento antecipado sem prévio exame do ente tributante.
  5. Os lançamentos por declaração ou por homologação se justificam pelas várias circunstâncias que podem interferir no específico valor de mercado de cada imóvel transacionado, circunstâncias cujo conhecimento integral somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio, sendo essa a principal razão da impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, ainda que autorizado pelo legislador local, pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido.
  6. Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN).
  7. A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.
  8. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, firmam-se as seguintes teses: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Recurso especial parcialmente provido.

Portanto, a base de cálculo do ITBI  – “valor venal” – corresponde ao valor considerado em condições normais de mercado para as transmissões imobiliárias, presumindo-se verdadeira a declaração do obrigado ao pagamento do tributo.

Claro, caso a autoridade tributária desconfie que o sujeito passivo declarou a venda por valor inferior ao da operação realmente realizada, poderá a autoridade tributária iniciar o procedimento tributário competente, com o fito de verificar a adequação dos valores à realidade de mercado. Veda-se, assim, o arbitramento, que pode, conforme o caso, caracterizar cobrança abusiva do imposto, oportunizando ao interessado o ajuizamento da ação competente, incluindo pedido de reparação por danos morais contra a fazenda pública, vez que a fixação de tese em sede de tema repetitivo tem força vinculante para os órgãos públicos.

Ademais, negar a aplicação do tema constitui afronta aos princípios esculpidos no art. 37 da Constituição, notadamente os princípios da legalidade e da moralidade pública.

Há questões que não podem deixar de ser abordadas:

Primus, caso o sujeito passivo declare valor de venda inferior ao efetivamente realizado e se constate que ele objetivou fraudar a legislação tributária, materializando as hipóteses previstas na Lei nº 8.137/1990, poderá responder por crime contra a ordem tributária;

Secundus, aquele que pagou o tributo em valor superior ao negociado, por fixação abusiva do fisco, poderá pleitear a restituição do excesso;

Tertius, deverão os municípios adequar sua legislação e procedimentos com vistas a cumprir esta determinação judicial.

Por fim, há que se considerar que, em relação ao momento em que se considera ocorrido o fato gerador do tributo, também já restou assentado que é após o registro da operação de transmissão no cartório competente. Este é o entendimento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, para quem se considera ocorrido o fato gerador do tributo após a alteração registral, como decidido no julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo nº 1.294.969, com repercussão geral (Tema nº 1.124):

EMB. DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.294.969 SÃO PAULO RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE EMBTE.( S ) : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PROC.( A / S)(ES ) : PROCURADOR -GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. FATO GERADOR. COBRANÇA DO TRIBUTO SOBRE CESSÃO DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA MEDIANTE REGISTRO EM CARTÓRIO. PRECEDENTES. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ERRO MATERIAL. INOCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS.

De fato, seguindo a legislação civil e como já visto anteriormente, exigir o pagamento antecipado de tributo para depois se materializar a hipótese, é trocar uma coisa pela outra, ou, como dizem nesses amplos rincões tupiniquins, “é por o carro na frente dos bois”. Não! E tal ideia se reforça justamente pela possibilidade de desfazimento do negócio.

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