Dissolução total ou parcial de sociedade limitada

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
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Um dos grandes problemas que atualmente envolvem as sociedades limitadas é a perda da affectio societatis, que, via de regra, leva à sua dissolução parcial ou total. Afinal, não é possível conceber que alguém, em sã consciência, queira manter sociedade com quem não mais tenha qualquer nível de afinidade; ou com alguém que dilapida o patrimônio comum, em ações de natureza duvidosa; ou que mesmo se perca um elemento básico a toda e qualquer sociedade humana, seja em que nível ela se manifeste: a fidúcia.

Atento a isso, o legislador ordinário incluiu, no Código Civil, hipóteses em que poderá ocorrer dissolução da sociedade. Dentre todas elas, analisar-se-á aqui tão somente a dissolução por perda da já citada affectio societatis.

Segundo Idevan Cesar Rauen Lopes (Empresa & Exclusão de Sócio, de acordo com o Código Civil de 2002. 2ª ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 17), um dos elementos intrínsecos à ideia de empresa é justamente a “preponderância do interesse alheio sobre o interesse particular dos sócios”. A sociedade é vista, então, como agente que persegue uma finalidade social. A exploração do seu objeto social, por atingir pessoas diversas daquelas que integram o seu quadro social, projeta tal atividade e respectiva responsabilidade para e em relação às pessoas que adquirem seus produtos ou serviços. E esta finalidade social tem que ser garantida a todo custo.

Nesse passo, pugnando-se pelo devido cumprimento desta finalidade social, fazemos nossas as palavras do autor retro citado, Lopes (op. cit., 2008: 96), para quem

“Todos os sócios devem colaborar com a empresa para se atingir o fim social estipulado, sendo exigido um esforço de cada sócio, já que o dever de colaborar decorre da própria essência da affectio societatis, independentemente de se tratar de uma sociedade limitada, uma sociedade em comandita simples ou sociedade anônima, ou de qualquer outro tipo societário”.

Ora, segundo o art. 1.030 do Código Civil, se um sócio não optar pela faculdade prevista no art. 1.029 (retirar-se da sociedade por iniciativa própria), pode ser excluído judicialmente da sociedade, desde que aja em desacordo com suas obrigações decorrentes do contrato social (falta grave ou incapacidade superveniente), cabendo ao(s) sócio(s) que perfaça(m) a maioria do Capital Social tal decisão, se tal hipótese não figurar no contrato social da entidade (art. 1.085, CC).

Mas o que vem a ser “falta grave”, nos termos do art. 1.030 do Código Civil, permitindo que os sócios, por maioria, possam requerer judicialmente a exclusão do sócio? A lei não define o alcance da citada expressão.

Ora, é cediço que um contrato de constituição de sociedade se baseia, antes de tudo, em uma prévia relação de confiança existente entre as partes contratantes. “Fidúcia”, pois, equivale a confiança ou fidelidade, para expressar cumprimento pontual, exatidão. Nas relações contratuais, quando a conduta de uma das partes viola deveres contratuais (lealdade, confiança, respeito, boa-fé), consequentemente se impede a continuidade da relação.

Imputar a alguém a prática de fato criminoso quebra, efetivamente, o interesse das partes em se manterem associadas em torno de um objetivo comum, por exemplo. Da mesma forma quando um dos sócios paga dívidas particulares com numerário comum. Ou quando constitui uma outra pessoa jurídica para explorar objeto social similar. Várias são as condutas que podem levar à dissolução e que se enquadram no conceito amplo da expressão “falta grave”.

Enfim, “O sócio é desleal quando seu comportamento prejudica o pleno desenvolvimento da empresa explorada pela sociedade”, afirma Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial. Vol. 2: Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 424).

Se os sócios em litígio não chegarem, eventualmente, a um acordo, a fim de se garantir a continuidade das operações da empresa, podem optar por recorrer ao Poder Judiciário (caso o contrato social não contemple cláusula expressa de exclusão, nos termos do art. 1.085 do Código Civil, ou o sócio não decida, de vontade própria, pela sua saída da sociedade), pleiteando a exclusão do sócio infrator, em decisão proferida pela maioria absoluta dos sócios.

Nesse passo, Fábio Ulhoa Coelho é incisivo (op. cit., 2010, pp. 372-373):

“A prevalência da vontade da maioria é, inegavelmente, um valor da organização democrática das relações entre os homens, produto da evolução racional da espécie humana, conquista da civilização. Quando, porém, a maioria é medida pelo tamanho da contribuição, em recursos materiais, de cada pessoa, então a regra deixa de ser democrática. Assim, a aproximação da organização empresarial e da política importa um paralelo inexistente. Entre os sócios da sociedade empresária não deve prevalecer o interesse do maior número deles; ao contrário, quem deu mais para a sociedade, em termos de dinheiro ou recursos materiais, está-se arriscando mais que os outros, e deve, por isso, ter assegurada a participação nas decisões da empresa proporcional ao risco. Para as organizações econômicas, os padrões democráticos de convivência política não são adequados. A vontade do sócio que mais contribui para a formação do capital social da sociedade limitada deve ter (e tem) maior influência sobre os rumos da empresa que a dos demais. As relações intrassocietárias, em suma, são antidemocráticas.

Nesse sentido, o sócio responsável pelo aporte de mais da metade do capital social representa, sozinho, a maioria societária, independente do número de integrantes que possua a sociedade. A vontade dele prevalece sobre a dos demais em toda e qualquer decisão da sociedade limitada para a qual a lei não estabeleça quórum qualificado. Ele define, sozinho, a destituição de administrador da sociedade (salvo se o contrato social a atribui a sócio), a remuneração dos administradores, a destinação do resultado, a aprovação das demonstrações financeiras etc.

O poder do majoritário, portanto, é grande, no sentido de que ele pode interferir na esfera dos direitos dos demais sócios – em alguns casos, pode até mesmo definir a extensão desses direitos –, e de forma unilateral.”

Ora, tem que se considerar que a pessoa jurídica, enquanto ficção, é igualmente capaz em direitos e deveres na ordem civil. Há pessoas, naturais ou jurídicas – empregados e seus dependentes, fornecedores, clientes etc. – que vivem em função do êxito da empresa, sendo, por corolário, dependentes desta. Destarte, qualquer situação que lhe prejudique o regular andamento pode comprometer a sua continuidade, acarretando significativos prejuízos à coletividade, como a decretação de sua insolvência, a execução coletiva de seus bens, lesões a direitos dos trabalhadores e do próprio Fisco etc.

Ergo, ausente a affectio societatis, deve ser resolvida a sociedade.

Ad argumentandum tantum, nem seria necessária a imputação de falta grave ao sócio que se exclui. Se inexistente a affectio societatis, autorizada se encontra a sua exclusão. É o que se constata pela leitura dos presentes julgados:

“Apelação Cível n. 2009.067901-5, de Joinville – Relator: Des. Cláudio Valdyr Helfenstein – Publicado em 12.05.2010 –

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE – CONFIGURAÇÃO DA PERDA DA AFFECTIO SOCIETATIS – DESNECESSIDADE DE APURAÇÃO DE FALTA GRAVE PARA EXCLUSÃO DE SÓCIO – APURAÇÃO DE HAVERES – LIQUIDAÇÃO QUE DEVE SER FEITA POR ARBITRAMENTO NOS TERMOS DO ART. 475-C, DO CPC.

Rompida a confiança e a ação conjunta dos sócios em prol do desenvolvimento do ente coletivo, impõe-se a dissolução da sociedade, em atenção ao princípio da preservação da empresa.

“O dissenso grave e o conseqüente desaparecimento da affectio societatis entre sócios de uma sociedade comercial, autoriza a sua dissolução parcial, com a retirada de um deles”(…)(Ap. Cív. n. 1997.003621-3, de Criciúma, Rel. Des. Alcides Aguiar).

A caracterização da quebra da affectio societatis induz à dissolução parcial da sociedade, sendo desnecessária a apuração de falta grave para tal fim.

“O rompimento da affectio societatis não pressupõe a existência de falta grave ou prática de qualquer ato ilegal por parte do sócio excluído. A simples quebra da confiança e do intento de empreender em conjunto permite a decisão, contanto que haja respaldo da maioria do capital social votante” (…) (Ap. Cív. n. 2002.018399-2, da Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 25.09.2003).

(…)

Ausente o interesse processual em ação de prestação de contas quando o autor questiona o exercício social em que estava à frente da administração da empresa.

“Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático”. (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 9. ed. rev. e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, pg. 436).

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.001583-4, da comarca de Taió (Vara Única), em que é apelante Mário Locks, sendo apelado Banco do Estado de Santa Catarina S/A BESC:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial,  por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.”

Do voto do Relator, extraem-se ainda:

“O simples desaparecimento da ‘affectio societatis’ é causa que, no direito pátrio, autoriza a dissolução parcial de sociedade empresarial. (Apelação Cível n. 2004.003191-2, de Rio do Sul, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 3-6-2004).

O direito de retirar-se da sociedade é mesmo evidente e consagrado na Constituição Federal, art. 5º, inciso XX que garante que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado. E sobre este dispositivo constitucional, José Afonso da Silva ensina que’… a liberdade de associação inclui tanto as associações em sentido estrito (em sentido técnico estrito, associações são coligações de fim não lucrativo) e as sociedades (coligações de fim lucrativo) (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, Melhoramentos, São Paulo, 1994, pág. 241)’. (ED. na ACV n. 49.200, de Tubarão. rel. Des. Carlos Prudêncio)” (Apelação cível n. 2002.010004-3, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Alcides Aguiar, j. em 14-9-2006).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE. COMPROVAÇÃO. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO. CABIMENTO.

O fim da affectio societatis autoriza a dissolução parcial de sociedade empresarial, conforme direito consagrado pela Constituição Federal (art. 5º, XX), que garante que ninguém poderá ser obrigado a associar-se ou a permanecer associado. (Apelação Cível n. 2007.006453-1, de Araranguá. Relator: Des. Salim Schead dos Santos).

Apelação Cível – Ação de dissolução de sociedade por cotas limitadas – Encerramento da affectio societatis – Alegada desonrosa gestão da empresa por um dos sócios – Pretendida retirada de um dos sócios – Pedido procedente – Recurso desprovido.

Nas sociedades por cota de responsabilidade limitada, havendo sério dissenso entre os dois sócios, inevitável o rompimento. A retirada de um dos sócios não encerra necessariamente as atividades, que poderá ter seguimento com a entrada de novo sócio ou transformada em firma individual. A saída do sócio obriga ao remanescente a paga de seus haveres apurados em balanço especial. (apelação cível n.º 88.071520-3 (45.158), da Capital, Câmara Cível Especial, rel. Des. Solon d’ Eça Neves, j. em 26.05.1999. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2006).

Mesmo que a sociedade seja constituída de apenas dois sócios, a saída de um deles não implica, necessariamente, na sua extinção. Considerado o princípio da preservação da empresa, esta subsistirá, ainda que com um único sócio, pelo tempo e na forma em lei previstos.

O simples desaparecimento da ‘affectio societatis’ é causa que, no direito pátrio, autoriza a dissolução parcial de sociedade empresarial. (apelação cível n.º 2004.003191-2, de Rio do Sul, Segunda Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 03.06.2004. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2006).

Da análise detida dos autos tem-se que o rompimento da affectio societatis é inconteste, sendo flagrante a falta de afinidade e confiança entre os sócios.

Assim, uma vez rompida a affectio societatis, cabível a dissolução da sociedade, parcial ou total, porquanto ausente o elo que une os sócios em prol do desenvolvimento do ente coletivo. Nesse caso, deve-se optar, sem sombra de dúvidas, pela preservação da empresa.”

No mesmo sentido:

“Agravo de Instrumento n. 2011.072065-6, de Criciúma – Relator: Des. Ricardo Fontes

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE COM EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA CARACTERIZADA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SOCIEDADE LIMITADA. PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA. AFFECTIO SOCIETATIS. DESAPARECIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

Nas ações de dissolução de sociedade limitada com exclusão do sócio minoritário, porquanto existe litisconsórcio ativo necessário, são partes legítimas ad causam tanto o sócio majoritário quanto as sociedades.

A affectio societatis caracteriza-se como um pressuposto essencial à existência da sociedade. Logo, uma vez perdida essa disposição unânime de esforço e investimento, surgem conflitos de interesses e, consequentemente, desavenças, que, não raras vezes, impendem o convívio entre os sócios e prejudicam o desenvolvimento da própria limitada.

Não é mais possível, in casu, concluir por um interesse comum em formar e manter um empreendimento, hipótese que, por si só, justifica a dissolução parcial da sociedade e demonstra os requisitos indispensáveis à antecipação da tutela – o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2011.072065-6, da comarca de Criciúma (3ª Vara Cível), em que é agravante José Moreno, e são agravados Jaime Dal Farra e outros:

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargador Rodrigo Antônio e Desembargadora Substituta Janice Goulart Garcia Ubialli.

Florianópolis, 1º de dezembro de 2011.

Ricardo Fontes – PRESIDENTE E RELATOR”

Em suma, o Código Civil é incisivo, ao autorizar a resolução judicial da sociedade, que, por corolário, continuará sua existência, resguardando-a no cumprimento de sua finalidade social, como bem enfatizado por Waldo Fazzio Júnior (Manual de Direito Comercial. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 184-185):

“Como assente pela maioria dos comercialistas, a dissolução parcial foi construída pela doutrina e adotada pela jurisprudência, precisamente para resguardar a estabilidade da empresa contra eventual instabilidade dos interesses dos sócios, suprindo assim as deficiências do individualismo do Código Comercial, voltado preferencialmente para a proteção destes. (…).

Admitida a exclusão do sócio por maioria dos sócios, seja por falta grave ou somente pela perda da affectio societatis, o valor patrimonial da sua participação deverá ser-lhe pago com base no VALOR PATRIMONIAL DA SOCIEDADE, após liquidação de sentença por artigo, ou conforme o que dispuser o contrato social da entidade.

Por fim, deve-se considerar que, atendendo as peculiaridades do caso, o sócio pode ser afastado de imediato ou ter suspensos os seus direitos de sócio, por decisão liminar.

Post scriptum: A Rausch Mainenti Advocacia e Consultoria Tributária tem atuado decisivamente em processos de dissolução parcial ou total de sociedade, orientando os clientes a incluírem, em seus contratos sociais, cláusulas que prevejam, expressamente, a possibilidade de exclusão de sócios, nos termos do art. 1.085 do Código Civil, com o fito de eliminar riscos de litígios futuros.

Por Amaury Rausch Mainenti

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