Despesas Médicas – A força probante dos recibos de despesas médicas

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
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Vários contribuintes têm sido intimados para apresentarem, junto à administração fazendária competente, além dos recibos comprobatórios lavrados pelos profissionais da área da saúde, as respectivas cópias dos cheques emitidos para pagamento destes serviços ou, conforme o caso, de cópia do extrato bancário que evidencie o valor que foi sacado pelo contribuinte para efetivar o pagamento. Ou seja, para se comprovar as despesas realizadas, o contribuinte deve quebrar o seu sigilo fiscal, sob pena de, não o fazendo, tais despesas serem consideradas indedutíveis e, conseqüentemente, ter contra si lançado o valor do imposto complementar, acrescido da penalidade pecuniária correspondente.

Afinal, deve ou não o contribuinte quebrar o seu sigilo fiscal, apresentando os documentos exigidos pela Fiscalização? Isso impedirá que o auditor-fiscal o autue? Sem a pretensão de nos constituirmos em donos da verdade, trazemos à baila algumas considerações.

Preliminarmente, deve-se destacar que o Direito Tributário se utiliza de outros institutos existentes nos demais ramos do Direito para se efetivar a exigência tributária. Assentada tal premissa, pode-se afirmar que o recibo devidamente lavrado pelo credor libera o devedor, sendo bastante para comprovar o pagamento efetuado. É o que determina o Código Civil:

a) as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal (art. 315);

b) a quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou por quem este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante (art. 320);

c) a entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento (art. 324).

Seguindo os dispositivos da legislação civilista, o Regulamento do Imposto de Renda (RIR) determina que “Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias” (art. 80), desde que se limite a “pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento” (art. 80, § 1º III, RIR).

Prevalece, pois, a regra de apresentação do recibo; inexistindo este, pode ser apresentado o cheque nominativo, constituindo esta hipótese uma mera exceção à regra.

As despesas são, portanto, comprovadas mediante apresentação tão-somente do comprovante de pagamento. Este é caracterizado por recibo passado pelo credor, que deve especificar o nome do credor, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), valor, nome do devedor, tempo e lugar do pagamento.

A própria SRF, em seu “Perguntas e Respostas 2006” (repetindo as mesmas orientações referentes ao exercício de 2005), assim se manifesta:

“DESPESAS MÉDICAS DEDUTÍVEIS

337 — Quais são as despesas médicas dedutíveis na Declaração de Ajuste Anual?

(…)

A dedução dessas despesas é condicionada a que os pagamentos sejam especificados, informados na Relação de Pagamentos e Doações Efetuados da Declaração de Ajuste Anual, e comprovados, quando requisitados, com documentos originais que indiquem o nome, endereço e número de inscrição no CPF ou CNPJ de quem os recebeu. Admite-se que, na falta de documentação, a comprovação possa ser feita com a indicação do cheque nominativo com que foi efetuado o pagamento.

(…)

(Lei nº 9.250, de 1995, arts. 5º, § 2º, e 8º, II, “a”, e § 2º; RIR/1999, art. 80; IN SRF nº 208, de 2002, art. 16, § 4º; IN SRF nº 15, de 2001, art. 46)”

Quanto à quebra do sigilo fiscal, torna-se necessário questionar até que ponto pode chegar o “agir fiscal”, face às disposições da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001, regulamentada pelo Decreto nº 3.724. de 10.01.2001, que atribui às autoridades e agentes fiscais poderes para “examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso” (desde que “ tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”, o que confere à mesma amplos poderes, mas que encontra seu limite nos Direitos e Garantias Fundamentais, previstos no art. 5º da Constituição Federal). Trata-se, com a devida vênia, de uma flagrante violação aos direitos do contribuinte, vez que, pleitear a apresentação de documentos bancários é tentar obter a quebra do sigilo bancário por outra via.

Ainda que prevista em legislação específica, a quebra de sigilo bancário do contribuinte, em qualquer situação, somente pode ser realizada uma vez precedida de decisão judicial. Veja-se, a seguir, excerto de julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

“AMS 2001.01.00.000793-0/DF; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – Relator DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO  – Órgão Julgador SEXTA TURMA TRF1 – Publicação 23/05/2005 DJ p.123 – Data da Decisão 04/04/2005

Decisão

A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial.

Ementa

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA MEDIANTE REQUISIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

  1. O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado pela autoridade administrativa, em procedimento fiscal, sem a necessária intervenção do Poder Judiciário, único autorizado a dispensar as instituições financeiras do dever de segredo imposto por lei. (…)”

Logo, em que pesem os poderes atribuídos à Administração Tributária na fiscalização dos contribuintes, não se pode derrogar institutos já consagrados em outros ramos do Direito, bem como afrontar direitos e garantias individuais, como na situação tratada nestas breves notas. O contribuinte tem assegurado seu direito de deduzir as despesas médicas devidamente comprovadas por recibos passados pelos profissionais, bem como manter a incolumidade de seu sigilo bancário.

Eventual auto de infração e imposição de multa que vier a ser lavrado em desfavor do contribuinte pode ser impugnado, observadas as regras aplicáveis ao processo administrativo na esfera federal. Vencido na esfera administrativa, o contribuinte pode ajuizar a ação competente objetivando sua anulação, depositando o valor do tributo exigido ou nomeando bens à penhora, o que evitará a inscrição do crédito em dívida ativa e conseqüente execução fiscal, nos termos do disposto na Lei nº 6.830, de 22.09.1980.

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